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SEF apagado da Segurança Interna. PSP e GNR criam serviço para controlar fronteiras e imigrantes
26 de Setembro de 2022
Postado por Meyer Soares

O ministro Eduardo Cabrita enviou esta semana à reunião de secretários de Estado os diplomas relacionados com a extinção do SEF. A polícia de estrangeiros e fronteiras com 35 anos de vida será eliminada do Sistema de Segurança Interna, as suas funções administrativas distribuídas pelo novo Serviço de Estrangeiros e Asilo e as policiais pela PJ, GNR e SEF. O parlamento ainda terá uma palavra a dizer.

Para extinguir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), distribuir competências e criar um novo serviço, o ministério da Administração Interna (MAI) preparou e apresentou um total de cinco diplomas na reunião de secretários de Estado desta semana.

Quatro propostas de alteração a leis para serem votadas no parlamento e o projeto de decreto-lei que cria o novo Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA).

A Lei de Segurança Interna (LSI) e a Lei de Organização e Investigação Criminal (LOIC) deverão ser alteradas, caso as propostas do governo obtenham a aprovação da maioria dos deputados, de forma a eliminar todas as referências ao SEF, que deixará de existir no Sistema de Segurança Interna e na investigação criminal do nosso país.

De acordo com fontes governamentais e policiais que conhecem estes documentos, o MAI apresentou também propostas de alteração às leis orgânicas da GNR e da PSP para criar novos serviços para controlar fronteiras e imigrantes, as quais terão de ser igualmente sujeitas ao escrutínio da Assembleia da República.

Fica assim concretizado, da parte do MAI, o princípio do fim do SEF (criado em 1986, há 35 anos, depois de ser Serviço apenas Serviço de Estrangeiros 10 anos), no seguimento de um ano em que a atuação desta Polícia ficou irremediavelmente marcada pela morte do cidadão ucraniano Ihor Homemiuk, à sua guarda, no aeroporto de Lisboa, pela qual foram condenados três inspetores e está ainda em curso uma investigação criminal ao encobrimento do homicídio, cujo inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna já levou à instauração de processos disciplinares a outros nove inspetores.

Controlo de fronteiras e operações relacionadas com a permanência ilegal de imigrantes ficam a cargo da GNR e da PSP, enquanto toda a investigação criminal de crimes como o tráfico de seres humanos e auxílio à imigração ilegal fica com a Polícia Judiciária que, de resto, já tinha essa competência na LOIC.

A PJ não necessitará sequer de alterar a sua lei orgânica para absorver estes processos, nem para integrar os inspetores e coordenadores o SEF nos seus quadros, ao contrário da GNR e da PSP.

Novos organogramas na GNR e PSP

Os organogramas de ambas as forças de segurança serão reforçados com uma nova unidade destinada a herdar várias funções relacionadas com o controlo de fronteiras e de imigrantes que estavam sob alçada do SEF.

Na GNR, a atual Unidade de Controlo Costeiro (UCC) passa a chamar-se Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras (UCCF) e será responsável pela vigilância, fiscalização e controlo das fronteiras marítimas e terrestres.

A Guarda terá também competência para a fiscalização e controlo da permanência dos estrangeiros; pela execução dos processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de estrangeiros; e pela realização de controlos móveis e de operações conjuntas com forças e serviços de segurança espanhóis.

No caso da PSP, o organograma contará com um novo diretor nacional adjunto que dirigirá a "unidade de segurança aeroportuária e controlo fronteiriço", a qual se junta às três já existentes, de operações e segurança, de recursos humanos e de logística e finanças.

Esta força de segurança, essencialmente urbana, será responsável pela vigilância, fiscalização e controlo das fronteiras aeroportuárias e terminais de cruzeiro e, tal como a GNR, fiscalizará a permanência de imigrantes em território nacional e tratará das expulsões.

Na Lei de Segurança Interna e na Lei de Organização da Investigação Criminal as alterações são cirúrgicas, mas com um simbolismo histórico no Sistema de Segurança Interna: é a primeira vez deste que estes diplomas foram aprovados, que uma Polícia é apagada e eliminadas todas as referências à mesma.

Por exemplo na LSI, no que diz respeito à "natureza e composição do Conselho Superior de Segurança Interna" (o órgão interministerial de audição e consulta em matéria de segurança interna) deixa de integrar o diretor nacional do SEF, enquanto representante e órgão de polícia criminal, e passa a integrar o diretor do novo Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA)

SEA com 13 cargos dirigentes

A criação do SEA será determinada através de decreto-lei, podendo não necessitar de ser sujeita ao escrutínio dos deputados, a não ser que seja pedida a sua apreciação parlamentar, o que não será de descartar uma vez que foi aprovada por todos os partidos, à exceção do PS, uma resolução a recomendar ao governo que todas as medidas de reestruturação do SEF fossem submetidas à Assembleia da República.

De acordo com a proposta que foi entregue na reunião de secretários de Estado, o SEA terá como missão "a concretização das políticas públicas em matéria migratória e de asilo" através " da emissão de documentação para a entrada e permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros, e a execução da política de cooperação internacional do Estado Português no âmbito das migrações e asilo".

Na sua cúpula terá um diretor-geral e dois subdiretores-gerais, com um total de 13 cargos dirigentes: além destes três, dois diretores centrais, sete diretores regionais e um coordenador do Gabinete de Inspeção.

Todos os "bens, direitos e obrigações de que o SEF é titular ou beneficiário" passam automaticamente, à data de entrada em vigor do decreto-lei, para o SEA, incluindo arquivos, acervos documentais e as bases de dados administrativas e policiais - às quais fica obrigado a dar acesso à PJ, GNR e PSP, no âmbito das respetivas competências.

Entre as diversas responsabilidades que lhe são acometidas, está a emissão e prorrogação de autorizações de residência; a decisão sobre a aceitação e análise dos pedidos de asilo; a coordenação dos programas de reinstalação de refugiados; e emitir pareceres sobre pedidos de vistos consulares e de concessão de nacionalidade portuguesa.

As renovações das autorizações de residência também poderão ser tratadas pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN) de forma a, sublinha o MAI, "permitir que os cidadãos que os cidadãos que residam de forma regular em território nacional possam tratar de forma mais ágil dos respetivos processos documentais à semelhança do que é assegurado aos cidadãos nacionais".

Não há referência nos diplomas à responsabilidade sobre os Centros de Instalação Temporária (CIT) e Equiparados (como o de Lisboa, onde morreu Ihor Homeniuk a 12 de março de 2020).

A PSP será a responsável pela segurança aeroportuária e pelo controlo de imigrantes em situação ilegal, como os que se encontram no CIT, a quem a entrada é recusada, mas o universo de competências do SEA poderá também incluir esses centros de detenção.

No plano internacional, propõe o decreto-lei que o SEA represente o Estado português no Comité Estratégico da Imigração, Fronteiras e Asilo, no Grupo de Alto Nível do asilo e da Migração, bem como nas agências europeias, como é o caso da Frontex. Terá também a incumbência de coordenar a ação dos oficiais de ligação de imigração, que estão colocados em várias embaixadas no estrangeiro.

Carreiras protegidas?

O governo quer assegurar que as situação dos funcionários do SEF, polícias e civis, não será prejudicada na transição para os novos serviços. Diz a proposta de decreto-lei que "a transição do pessoal do SEF para outras forças e serviços de segurança não pode implicar a redução das respetivas categorias, antiguidade e índice remuneratório".

Independentemente das regras em vigor nestas instituições, podem passar obrigatoriamente à disponibilidade quando atingir os 60 anos ou, por despacho da tutela, a pedido do funcionário, quando tenha completado 55 anos ou 36 anos de serviço.

Na PJ os salários são semelhantes e a interação na carreira de investigação criminal estará facilitada, mas na GNR e na PSP será criada uma carreira de inspeção e fiscalização fronteiriça.

As pessoas da carreira de investigação e fiscalização do SEF que transitem para o SEF, podem fazê-lo num quadro de adido que será extinto quando vagar.

Da mesma forma, os lugares que sejam ocupados por inspetores que forem para a PSP e GNR serão extintos quando estes passarem à disponibilidade, podendo estas funções ser ocupadas por pessoas da nova carreira, cuja remuneração é substancialmente mais baixa.

Os critérios para a transição do pessoal serão fixados por portaria do MAI e criação dos quadros e mapas de pessoal terá também o envolvimento dos ministérios da Justiça e da Modernização do Estado e da Administração Pública.

Todos os funcionários podem, no prazo de um ano, a contar da data da entrada em vigor do decreto-lei, solicitar a mobilidade para a GNR, PSP, PJ e SEA. O pessoal das carreiras gerais também pode pedir para ir para o IRN.

Paradigma "humanista" e "sem suspeição"

Este pacote de alterações legislativas terá de ser aprovado até ao final do mês para que seja cumprida a meta de Eduardo Cabrita de concluir este processo no primeiro semestre do ano.

"É com base no novo paradigma para as migrações que o programa do governo prevê a mudança na forma como a Administração Pública se relaciona com os imigrantes", assinala o governo no enquadramento destas reformulações legislativas.

Dessa forma, é estabelecido que "não deve existir qualquer suspeição sobre quem imigra ou pretende imigrar". Em vez disso "a pessoa imigrante deve ser encarada como alguém em busca de melhores oportunidades de vida e que, verificados os condicionalismos legais, pode dar um contributo útil para o desenvolvimento o país".

O MAI lembra que "esta abordagem humanista ao fenómeno migratório, sem descurar preocupações com a segurança interna e o combate ao tráfico de de seres humanos" está prevista no programa de governo da atual legislatura, que teve início em 2019, "o qual prevê a separação orgânica entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes".

Esta separação visa, alega, "melhorar as condições para uma abordagem dos fluxos migratórios centrada no reconhecimento da dignidade dos migrantes e da importância do seu contributo para a sociedade portuguesa".

Apesar de estar no programa de governo há mais de um ano, só em dezembro de 2020 esta medida só começou a emergir na agenda do MAI quando foi anunciada a cessação de funções da diretora nacional do SEF, Cristina Gatões (já sob elevada pressão há várias semanas, tal como o próprio Ministro) a poucos dias de ser ouvida no parlamento para explicar a sua atuação - que nunca foi esclarecida até agora - no caso da morte de Ihor Homeniuk, nas instalações deste serviço de segurança no aeroporto de Lisboa a 12 de março de 2020, nove meses antes.

No comunicado oficial do MAI, datado de nove de dezembro, era dito que este ministério iria "iniciar de imediato um trabalho conjunto entre as Forças e Serviços de Segurança para redefinir o exercício das funções policiais relativas à gestão de fronteiras e ao combate às redes de tráfico humano", prevendo que "a redefinição de competências em matéria de controlo de fronteiras e investigação criminal entre as diversas Forças e Serviços de Segurança" estivesse "concretizada durante o primeiro semestre de 2021" e que era nesse "novo quadro institucional que a Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Cristina Isabel Gatões Batista" cessava funções "a seu pedido e com efeitos imediatos".

Perante os protestos dos sindicatos do SEF e de todos os partidos da oposição, principalmente do PSD e do CDS, contra a ausência de diálogo e conversações sobre um processo tão sensível como é a extinção de uma Polícia com as competências e know how do SEF, o Ministro Eduardo Cabrita só cedeu a levar esta reforma ao parlamento no início deste mês, depois de o PS ter votado contra a resolução nesse sentido do CDS e depois também de juristas reconhecidos, entre os quais Jorge Miranda, terem feito pareceres a defender a competência exclusiva da Assembleia da República nesta matéria.

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