Lançado para atrair investimento, o regime dos residentes não habituais foi lançado em 2009
Pedro Cristóstomo
Sob críticas da Finlândia e a Suécia, Governo acaba com a isenção de IRS para pensionistas. Actuais beneficiários ficam a salvo das mudanças.
O Governo de António Costa decidiu alterar uma parte das regras do regime fiscal dos residentes não habituais (RNH), contestado por alguns países europeus como a Finlândia e a Suécia, por garantir uma isenção de IRS aos pensionistas que decidem sair dos seus países para passarem a viver em Portugal – ou pelo menos uma boa parte do ano.
As mudanças surgem pela mão do PS numa proposta de alteração à Orçamento do Estado para 2020 apresentada nesta segunda-feira no Parlamento.
A partir de agora, em vez de existir uma isenção total do imposto para os reformados que se inscrevem no RNH, os reformados que se mudem para o território português serão tributados em 10% sobre as pensões pagas pelo seu país de origem (a taxa de IRS é fixa, portanto, será a mesma para um rendimento alto ou um rendimento médio, por exemplo).
A taxa de 10% vigorará para os novos aderentes ao regime. Quem já é residente não habitual – ou seja, quem beneficia da actual isenção de IRS (0%) — e quem se inscreva até à entrada em vigor do novo regime continuará a beneficiar desta vantagem até ao fim dos dez anos de duração do incentivo fiscal.
Mas, para prevenir litígios, os actuais beneficiários, caso assim o queiram, poderão, entretanto, aderir às regras mais recentes (se lhes for vantajoso nos casos em que os seus países de origem têm poderes para os tributar, como é o caso da Finlândia).
Na proposta de alteração, o PS explica: “Elimina-se a isenção total de tributação dos rendimentos de pensões obtidos no estrangeiro por residentes não habituais, passando a exigir-se a aplicação de uma taxa de 10%, sem prejuízo de opção pelo englobamento e da eliminação da dupla tributação internacional.”
Lançado em 2009 para atrair investimento estrangeiro, o regime tem motivado descontentamento noutros países europeus. E com Bruxelas atenta às distorções que o RNH gera entre pensionistas, o Governo procura responder a parte das críticas de que o regime é alvo: o facto de alguns pensionistas estrangeiros (com pensões obtidas no exterior) ficarem completamente isentos de IRS tanto em Portugal como nos seus países de origem, ao mesmo tempo em que os pensionistas a viver nos seus países são tributados segundo as regras normais e os reformados com pensões obtidas em Portugal são tributados nos termos gerais através de taxas de IRS progressivas que vão até 48%.
Pressões internas e externas
A criação da taxa fixa de 10%, em contraste com as taxas progressivas, não faz desaparecer essas distorções.
Foi sobretudo a partir de 2014 que o regime, ao começou a ganhar mais adeptos, passou também a suscitar mais críticas de alguns países da União Europeia (UE), com a Suécia e a Finlândia sobretudo a questionarem o facto de este ser um instrumento de captação de receita e de concorrência fiscal.
Estocolmo forçou Lisboa a renegociar uma convenção fiscal para eliminar casos em que os reformados ficavam fiscalmente em terra-de-ninguém. E Helsínquia, que tomara a dianteira na negociação de um novo acordo fiscal, chegou mesmo a rasgar um acordo anterior vendo que o Governo de Costa não dava seguimento interno para o Parlamento português ratificar o novo texto.
Mas não é apenas fora de portas que o regime gera críticas. Ana Gomes, ex-parlamentar do PS, chamou-lhe um “esquema de dumping fiscal” e, quando era eurodeputada, pediu à Comissão Europeia que investigasse o regime por o considerar uma “grosseira injustiça para com os contribuintes portugueses e uma deslealdade para com outros Estados-Membros da União”, ao mesmo tempo em que, associado aos vistos gold, dizia, ajudava à criação de “uma bolha especulativa no sector imobiliário”.
A missiva levou o então comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, Pierre Moscovici, a revelar que Bruxelas estava a “analisar cuidadosamente as políticas fiscais dos Estados-membros no quadro do Semestre Europeu, para assegurar que os regimes fiscais ou as práticas de um país não têm efeitos prejudiciais noutros países da União Europeia”.
Internamente, o Bloco de Esquerda tem-se posicionado contra o RNH, tendo no ano passado proposto o fim deste programa.
Em relação aos trabalhadores-beneficiários do RNH que têm uma profissão de “elevado valor acrescentado” (médicos, engenheiros, músicos, agricultores ou gestores de empresas, por exemplo), o Governo também já tinha introduzido alterações ao regime, mas relativamente à forma como o fisco controla se os beneficiários exercem uma das actividades que permitem beneficiar do incentivo.